Decálogo do Whats App

Talvez não sejam muitos os leitores com acesso à Internet no final da década de 90. De uma hora para outra, era possível enviar mensagens para qualquer um, com baixíssimo custo e sem ter que ir aos Correios. A "carta" chegava instantaneamente sem que fosse necessário esperar semanas para que o carteiro a depositasse em sua caixa postal. O que parece corriqueiro hoje, foi uma verdadeira revolução, não só para o mundo corporativo, mas para indivíduos comuns.

Entretanto, nem tudo são flores. Logo vieram os spams, com mensagens publicitárias de todos os tipos para encher as nossas caixas postais, fazendo com que perdêssemos aquilo que era realmente importante em meio a uma enxurrada de mensagens, quase sempre inúteis, de promoção e preços baixos. Se você viveu nessa época, deve se lembrar da máquina de lavar meias e roupas de baixo, ou das onipresentes ofertas de viagra que chegavam em inglês ao seu email, não importando qual fosse o seu sexo.

Mas isso ainda era pouco, pois haviam as terríveis correntes para fazer crescer ainda mais o número de mensagens que chegavam até você. "Repasse esta mensagem para 10, 20 ou 30 pessoas para ter sorte (ou não ter azar)". Nos anos 2000 foi comum que elas viessem acompanhadas de um PPT de 20Mb, com slideshow e músiquinha de fundo, fazendo com que o Outlook levasse meia hora para baixar as seus emails naquela sofrível conexão de 56Kbps.

E haviam ainda os trotes e mensagens falsas dizendo que "o MSN passará a ser pago", que a "Fundação Mata Atlântica irá fazer uma doação de X centavos para cada email enviado com esta mensagem sobre o risco de extinção do Mico-Leão Dourado" ou alertando em relação ao caso do indivíduo que "pegou AIDS ao se sentar em uma agulha contaminada que estava escondida em um acento no cinema".

É difícil de acreditar, mas isso tudo parece ter voltado a vida com o crescimento do Whats App. O conteúdo pode ter se atualizado, mas estão todos lá: as correntes, as falsas mensagens e os spams intermináveis para, novamente, tornar a sua existência miserável a cada vez que você resolve desbloquear o seu telefone; com o agravante de que algo vibra em seu bolso assim que alguém resolve repassar uma mensagem deste tipo através da ferramenta adquirida pelo Facebook.

Na esperança de tentar resolver esse problema, decidi criar o decálogo do Whats App. Você pode até desrespeitar uma regra ou outra eventualmente, mas lembre-se que a importância destas regras é proporcional ao número de pessoas que participa de um grupo: quanto maior o número de participantes do grupo, mais importante elas se tornam.

  1. Não envie mensagens apenas com "bom dia", "boa tarde" e muito menos "boa noite". Se você não tem mais nada de útil a dizer, não diga. Se cada pessoa resolver fazer o mesmo, teremos uma sobrecarga de informação para algo que já está subentendido. Partiremos do princípio de que todos que estão alí desejam o mesmo, todos os dias, para todos os presentes.
  2. Nunca começe uma conversa paralela de duas pessoas em um grupo. Se você quer tratar de um assunto que só diz respeito a uma pessoa do grupo, inicie uma conversa privada com ela.
  3. Nem tudo precisa ser resolvido pelo Whats App, outros meios de comunicação mais antigos, como telefone e email podem ser mais adequados e continuam a ser úteis mesmo nos dias de hoje.
  4. Não deseje feliz aniversário em um grupo. Envie seus parabéns diretamente ao aniversariante e evite que outras pessoas recebam algo que não diz respeito a elas. Se gostar realmente da pessoa e quiser agradar, use a função de voz do seu telefone e faça uma ligação. Se destaque em meio a multidão!
  5. Não envie vídeos pelo Whats App, a não ser que que o grupo tenha sido criado com a finalidade de compartilhar este tipo de conteúdo. Todos conhecemos o YouTube e se quisermos ver algum vídeo, iremos direto ele ou a algum outro site do tipo.
  6. Não envie piadas a não ser que o grupo tenha sido criado objetivando o compartilhamento das mesmas. Neste caso, deixe isso bem claro no nome do grupo. Há diversos sites com conteúdo humorístico na Internet. Se você não conhecer algum, pode utilizar o Google ou pedir sugestões aos seus amigos. Neste caso, é permitido até utilizar o Whats App para esse fim.
  7. Pense 1000 vezes antes de enviar algo que foi pretensamente assinado por Shakespeare, Mario de Andrade, Arnaldo Jabor ou qualquer outra pessoa pública. Shakespeare não usava Whats App e Arnaldo Jabor, apesar de usar, costuma publicar uma coluna semanal às terças-feiras no Estadão e no Globo.
  8. A não ser que o Arnaldo Jabor participe de algum grupo que você também faz parte, dê preferência ao compartilhamento de links para a fonte do conteúdo em questão. Você terceiriza a responsabilidade pelo conteúdo à fonte original e ainda aumenta a credibilidade do que está compartilhando. Vale para imagens, vídeos e textos.
  9. Por isso mesmo, escolha fontes confiáveis. Furos jornalísticos são cada vez mais raros em um mundo altamente conectado. Se receber uma notícia bombástica no Whats App e ela for verdade, é impossível que não esteja estampada em algum portal de notícias mais conhecidos. Escolha aquele da sua preferência.
  10. Jamais repasse correntes! Se uma mensagem pede para quem recebe, repassá-la a outras pessoas, apague-a imediatamente. Elas quase sempre escondem um vírus gravíssimo, capaz de reduzir o QI de quem reenvia as mensagens em até 50%.

Texto publicado originalmente na coluna "Post do Kemel" na revista Locaweb #68