Por dentro da Redescentralização
Quando a Internet nasceu, ainda com o nome de ARPANET, ela não passava de uma estrutura física para conectar um "punhado" de cientistas e "meia dúzia" de universidades. Nasceram então os primeiros protocolos de aplicação sobre o TCP/IP, como FTP, IRC e o email, por exemplo. Caso você quisesse ter algum desses serviços a sua disposição, deveria colocá-los para funcionar.
Como os primeiros usuários da rede detinham um profundo conhecimento técnico, era normal que eles botassem a "mão na massa". Se você quisesse ter seu próprio endereço de email, era preciso primeiramente ter acesso a um servidor, afinal, não havia Gmail, Hotmail ou BOL para criar a sua conta.
Hoje, uma tarefa desse tipo é muito mais fácil. Basta escolher entre as muitas opções disponíveis e raramente se pensa em ter seu próprio servidor de email. Entretanto, nossa vida digital se expandiu tanto que é quase impossível (até mesmo para um profissional da área) hospedar e administrar ele mesmo todos os serviços dos quais faz uso diariamente.
Contudo, há um grupo crescente de desenvolvedores e especialistas que acredita que ao longo do tempo, o controle da Internet tem se concentrado nas mãos de algumas poucas corporações e que isso significa uma ameaça cada vez maior, tanto do ponto de vista da privacidade, quanto para a natureza descentralizada com a qual a própria Internet foi concebida.
A alternativa nesse caso seria "redescentralizar" novamente a rede mundial de computadores, de forma que hajam opções à serviços largamente utilizados em todo o mundo. É o que propõem por exemplo o grupo por trás do site redecentralize.org. Trata-se de um movimento que pretende tornar a camada de aplicação da rede tão descentralizada como a camada de infraestrutura, seja oferecendo a oportunidade de hospedar seus próprios serviços, seja fazendo uso de serviços distribuídos.
A rede social Diaspora foi uma das pioneiras da iniciativa. Apesar do fato de qualquer um poder ter um servidor do Diaspora (trata-se de um software livre), diferentes usuários em diferentes servidores continuam conseguindo se comunicar, algo bastante interessante do ponto de vista técnico. Outra abordagem semelhante é a do Movim, que cria uma rede social semelhante, mas a partir de uma conta XMPP (também conhecida como Jabber).
Mail in a Box, arkOS, Sandstorm e Yuno Host são apenas alguns exemplos de projetos que surgiram recentemente com o objetivo facilitar a tarefa de hospedar seus próprios serviços em ambientes que podem variar de um simples RaspberryPi dentro de casa, a um provedor de cloud da sua confiança.
Nesse novo contexto, redes mesh, criptomoedas e protocolos P2P ganham uma nova relevância e apontam para uma arquitetura do futuro, onde será muito mais comum que diferentes instâncias de software sejam capazes de se comunicar de forma distribuída ao redor do globo.
Texto publicado originalmente na Revista Locaweb #49